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Francês medieval: modelo de generosidade e desprendimento cavalheiresco |
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Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de política internacional, sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs |
A França do tempo das Cruzadas passava por ser a nação franca por excelência. Mas a nação franca no melhor sentido da palavra, quer dizer, generosa, desprendida, larga, cavalheiresca.
Veneza nunca foi tida como nação franca. Era uma nação mercadora.
Na Idade Média se considerava os mercadores com a sobrancelha carregada e cheio de desconfiança.
Veneza justificou muito largamente esta desconfiança!
Era uma cidade brilhante, bonita, meio impudica e pecadora e que tantas vezes traíra e iria trair o Ocidente com os seus contratos com o Oriente.
Pois tratava-se de conseguir os navios de Veneza para transportar cruzados à Terra Santa.
Foi, por ocasião da IV Cruzada, uma delegação de franceses – mas uns franceses provavelmente ainda meio alemães, e tendo o mérito e a glória de ambas as coisas somadas – chefiada por Geoffroi de Villehardouin (1150/54 –1212/18) marechal de Champagne. Ele próprio contou como foi o desempenho da missão na crônica “Conquête de Constantinople”.
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Extraordinária sensibilidade para o sublime. Catedral San Marco, Veneza. |
O governo convoca sucessivas Assembléias dos órgãos de governo muito alambicados de Veneza. Chama a Assembléia de Dez, que deliberava.
Referendo da Assembléia de Vinte a qual, tendo aprovado, era preciso ouvir um Conselho de Quinhentos que, quando aprovado, era preciso ouvir a Assembléia de Dez mil.
Quando a Assembléia dos Dez mil tinha concordado, reunia-se todo o povo e perguntava-se se o povo queria.
Os franceses dirigem-se ao Doge de Veneza. Então, os venezianos movidos, ou por razões financeiras ou por razões de zelo talvez, começam a se comover. Os conselhos são sucessivamente convocados. Vencidos todos os obstáculos, convoca-se o povo...
Os franceses vão para a igreja de São Marcos, “une das mais belas e magníficas igrejas que se possa conhecer”. Ato preliminar para todas as deliberações importantes durante a Idade Média: celebra-se uma missa.
E depois, dentro da Igreja de São Marcos, cheia de venezianos, o Marechal dirige a palavra ao povo. E o discurso dele é o seguinte:
“Oh venezianos, os mais altos e poderosos barões da França nos enviaram aqui, para vos rogar, em nome de Deus – notem a humildade – para que tenhais piedade de Jerusalém e tomeis vingança da vergonha de Jesus Cristo. Nós vós rogamos a vossos pés”.
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Sublimidade até nos aspectos prosaicos da vida. Veneza |
O povo, vendo tão altos barões, e o marechal de Champagne, ajoelhados diante deles, começou a chorar, a dar gritos, a manifestar o seu aplauso.
O Marechal de Champagne contou que na igreja, na praça e nas ruas vizinhas era um estrondo de comoção e de alegria.
As pessoas se abraçavam e prometiam tomar a cruz. A tal ponto que ele teve a impressão de que a terra se partia.
O Dodge, então, foi ao púlpito e falou ao povo declarando a resolução tomada: estava resolvido partir.
Foi a emotividade e a capacidade do povo se arrastar diante da sublimidade do ato. O povo todo se desencadeia e toma a cruz.
Vemos aqui uma espécie de impressionabilidade popular, que é da maior importância para compreendermos bem a alma medieval.
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